quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Videoarte e terrorismo


Um dos destaques do audiovisual baiano, o videoartista Daniel Lisboa conquistou reconhecimento meteórico. Através de curtas-metragens, em alguns minutos ele mostrou a realidade de pessoas que vivem às margens da sociedade, de sem-tetos a penitenciários. Também brincou com o terrorismo e, com muita ironia, criticou o coronelismo da política local, com seu O fim do homem cordial (2004). Com 30 anos, formado em Cinema e Vídeo, ainda traz no currículo curtas como U olhu Du Povu (2002) e Frequência Hanói (2006), além de prêmios conquistados em festivais de todos os cantos do país. Nessa entrevista, Daniel nos fala um pouco sobre seu trabalho e suas influências.

SUPER 8 - Quais são suas referências profissionais?

DANIEL LISBOA - Rapaz, venho de um cinema muito prático. Eu sempre falo que não sou um cara que me apaixonei por filmes pra depois ir praticar. Nunca fui um cinéfilo, aquele cara que devorava filmes e através disso teve vontade de fazer, pelo contrário fui muito mais pela coisa da prática de ter o equipamento em casa e de começar a manipula-lo e de começar a tentar me expressar de alguma forma através desse equipamento. Comecei muito cedo, desde 10 anos já tinha câmera lá em casa, então já mexia nessa câmera há muito tempo. Com 15 anos, comecei a ter as primeiras idéias de fazer filme, de fazer historinhas, mas só depois, quando entrei na faculdade de cinema, comecei a encontrar referências, a encontrar cineastas com quem me identificava e a partir daí comecei a tentar aproximar o meu cinema do cinema deles, não apenas aproximar mas pegar informações dali e tentar modificá-las pra criar uma coisa nova. Pra começar aqui pela Bahia, posso citar Edgar Navarro. Também tem o André Luís de Oliveira, que fez o Meteorango Kid, Herói Intergaláctico que é um filme também baiano que faz parte do cinema marginal brasileiro. Se encaixa junto com Rogério Sganzerla e Osualdo Candeias e aí alguns outros também, o cinema de Almodóvar é sedutor, Ingmar Bergman, o próprio Glauber Rocha.

S8 - Glauber Rocha pretendia com o cinema dele fazer uma revisão crítica da sociedade. Dessa forma pretendia quebrar aquele modelo de cinema que foi incorporado pelo Brasil, o modelo de Hollywood. Você tem um objetivo parecido com o de Glauber na sua produção?

DL - Não sei. Acho que é bem diferente, naquele momento precisava mesmo dessa quebra, de um cinema novo, como aconteceu, mas já rolou esse cinema novo, esse cinema novo já não é mais novo. Eu não tenho essa pretensão de fazer um novo cinema, até porque o que eu estou fazendo vários outros realizadores em várias partes do país estão fazendo também, esse cinema mais experimental, esse cinema mais marginal.

S8 - Nas suas produções, você fala do "terrorismo audiovisual". Qual o conceito desse tipo de terrorismo?

DL - O terrorismo audiovisual é uma forma de você interferir nas coisas com produtos audiovisuais, a gente fala brincando, “uma forma de fazer bombas audiovisuais”. Fazer filmes que incomodem, que tragam reflexões, que façam as pessoas olharem de uma outra forma aquele assunto que a gente está tratando. E, em casos mais urgentes, como foi O fim do homem cordial, causar rachaduras mesmo na estrutura do governo, causar demissões, causar tumulto entre eles. O fim do homem cordial é o exemplo perfeito do terrorismo audiovisual.

S8 - Você já imaginava toda aquela repercussão para o vídeo?

DL - Eu tinha um plano, projetava, mas a coisa explodiu no lugar certinho. Em todos os sentidos, até no sentido da minha carreira mesmo, de meu nome, foi muito bom pra esse aspecto também. Acho que eu sou o cineasta que fez o nome mais rápido da história. Todos precisaram de um tempo de carreira pra fazer um nome na praça, no circuito, e O fim do homem cordial me deu isso numa velocidade enorme, uma respeitabilidade dentro do meio, aconteceu muito rápido, por causa da potência do vídeo.

S8 - Na época, explicaram as razões pelas quais o filme foi censurado?

DL - Falaram que o filme não tinha qualidade artística, falaram que era um filme que pregava a violência, não podia ser assistido por qualquer tipo de público e, se liberassem filmes como esse, teriam que liberar filmes racistas e nazistas. Eles não entenderam a brincadeira, porque o filme é uma brincadeira. É onde eu pego a realidade do Oriente Médio e trago aqui para a Bahia, aquela coisa assim “porra, se o povo baiano tivesse a postura do povo iraquiano, como ele se comportaria diante de tantos escândalos, tanta miséria, tanta injustiça vinda dos governantes?”.

S8 - Qual seria a força que o audiovisual pode exercer dentro da sociedade?

DL - Eu pensei muito no terrorismo audiovisual, depois eu comecei a ver que eu não tinha força pra isso, que eu não era esse líder, um líder de um movimento anticordial. Eu não era esse cara que ia conseguir fazer essas mudanças enormes, de um novo cinema. Depois eu fui vendo que é foda, você lutar sozinho é foda, se você não tem um bom exército, você cansa. E aí você vai tendo que se enquadrar no sistema, hoje eu tenho uma produtora toda regularizada [Cavalo do Cão], passo nota fiscal, faço trabalhos institucionais, boto várias vezes meu trabalho autoral de lado, por um trabalho de sobrevivência mesmo, um trabalho para pagar as contas. E acho que a gente vai ficando velho mesmo e vai ficando com medo das coisas.

S8 - Você geralmente trabalha com curta-metragem. A que se deve essa característica de suas produções?

DL - Facilidade. Facilidade de fazer. Curta e documentário são duas vertentes do audiovisual que facilita o fazer.

S8 - Os meios de divulgação do seu vídeo são basicamente a Internet e a mostra em prêmios. Existe a intenção de levar esses vídeos ao grande público?

DL - Não, é um filme de gueto mesmo. A não ser que a Lei do Curta voltasse a funcionar, passar o curta antes de um filme de longa-metragem, aí você estaria levando esse material ao grande público.



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